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COP-12: Conferência sobre o clima no Quênia discutirá desafios mundiais da próxima década

Por Paulo Montoia e Renato Brandão

Agência Brasil – Semanas com calor de 30 graus na região Sul em pleno inverno, seguidas de frio recorde e neve. Queda de temperatura de 22 graus em 24 horas em São Paulo, seca na Amazônia quando deveria chover e chuvas em Brasília quando é estio. Não é preciso ir longe para ter indícios cada vez maiores de que as mudanças climáticas estão se acentuando e demandam medidas mundiais urgentes.

Foi o que denunciou a organização Greenpeace em relatório e vídeo divulgados em agosto, e também o ex-vice-presidente norte-americano Al Gore, em visita ao Brasil em outubro. E é o que move a discussão antecipada da segunda etapa do Tratado de Quioto, que acontecerá em novembro, para decidir medidas que entrarão em vigor daqui a sete anos, a partir de janeiro de 2013, mas estarão no comando do debate sobre o meio ambiente.

Segundo o agrônomo Evaristo Eduardo de Miranda, pesquisador e chefe-geral da Embrapa Monitoramento por Satélite, haverá contrastes climáticos cada vez maiores em razão do aquecimento: “Nós vamos ter a ocorrência maior de períodos extremos, quer dizer, grandes chuvas – inclusive, com a ocorrência de vendavais e furacões, sobretudo no sul do país”. Para ele, o Brasil não está preparado para o que vai ocorrer.

O que fazer, quem fará, como e quando? Essas são as perguntas formuladas na criação do primeiro Protocolo de Quioto (que vigora de até 2012), e que agora estão sendo refeitas para a 2ª Reunião das Partes do Tratado de Quioto (COP/MOP 2, sigla para a expressão em inglês Reunião das Partes 2ª Conferência das Partes), que será realizada em conjunto com a 12ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (COP 12 – UNFCCC). Os eventos ocorrerão de 7 a 16 de novembro deste ano, em Nairobi, capital do Quênia.

O aparente agravamento das condições climáticas e a aproximação do fim do acordo da primeira fase do protocolo estão na pauta de ambientalistas e governos, pois a partir de 1º de janeiro de 2013 todos os compromissos e metas deixam de valer e é preciso que entre em vigor um novo acordo.

Na pauta, estão a manutenção e definição posterior de metas mais rigorosas de redução de gases que agravam o efeito estufa para os países desenvolvidos, a adoção voluntária de metas pelos países em desenvolvimento (como Brasil, Índia e China), além de critérios mais rígidos de gerenciamento do protocolo e a adoção voluntária de limites para a venda de créditos de carbono prevista no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).

Proposta sugere que países em desenvolvimento se comprometam a emitir menos gases

O conjunto de sugestões contidas na Proposta de São Paulo para a segunda etapa do Tratado de Quioto, que começará a ser discutida nesta semana em Nairobi, procura ampliar os compromissos e responsabilidades dos países signatários. Uma das propostas é a de que países em desenvolvimento, como o Brasil, adotem voluntariamente compromissos de redução de emissões dos gases do efeito estufa. O documento prevê, para isso, limites futuros para a venda de créditos de carbono. Outra proposta que deverá causar polêmica é a possibilidade de adoção de sanções comerciais aos países que não participam do protocolo, como os Estados Unidos.

Atualmente, Brasil, Índia, China e África do Sul – países com maioria de representantes entre os 40 especialistas de 25 instituições políticas e de pesquisa que formularam a Proposta de São Paulo – não possuem metas de redução de sua emissão de gases e por isso são considerados Países Não-Partes do Anexo I/B do protocolo. Este anexo é a lista dos países e suas metas de redução.

A anistia de metas foi concedida apenas aos países em desenvolvimento fora da União Européia. Assim, além de ser grandes emissores dos gases que agravam o efeito estufa e não ter metas a cumprir, China, Brasil e Índia podem se beneficiar vendendo créditos de carbono, previstos no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Por esse mecanismo, os países com metas (Países-Partes do Anexo I/B) podem debitar da sua meta a redução potencial de poluição que obtêm investindo dinheiro em projetos que evitam as emissões nos países sem metas participantes do protocolo.

A criação do MDL, com a compra e venda de créditos de carbono, foi uma solução original do Primeiro Protocolo de Quioto, para compensar possíveis perdas tanto dos países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, enquanto a tecnologia não avança suficientemente para evitar as emissões. Mas a Proposta de São Paulo sugere que sejam estabelecidos limites para a venda de créditos de carbono aos países ricos.

“Esses limites garantem que as Partes do Anexo I/B (países com metas de redução) assumam compromissos significativos antes que se espere que as Partes não-Anexo I (sem metas) adotem compromissos”, diz o texto da proposta. “Os limites também resultam num incentivo para que países não-Anexo I sigam uma trajetória de desenvolvimento mais limpa com referência a emissão de gases de efeito estufa. Por último, no longo prazo, os limites garantem uma distribuição eqüitativa dos benefícios de participação nesse Protocolo emendado.”

Pela Proposta de São Paulo países como Brasil adotariam, voluntariamente, um compromisso de quantificar percentualmente e relatar sua redução de emissões de gases do efeito estufa. Segundo o documento, esse limite seria retroativo a 1º de janeiro de 2005. De acordo com o critério proposto, ele “aumenta com a população e diminui com as emissões per capita e o PIB per capita do país. Os limites serão revisados periodicamente para refletir mudanças da população, emissões per capita e PIB per capita. Quando a Parte não-Anexo I (como o Brasil) atinge seu limite, espera-se que ela se torne uma Parte do Anexo I/B e assuma compromissos. Se não o fizer, ela será convidada a se retirar do Protocolo”, diz o texto final.

Segundo a proposta, as reduções que países como o Brasil poderão quantificar e relatar poderiam incluir aquelas “alcançadas em decorrência de suas políticas de desenvolvimento sustentável, incluindo as políticas de redução do desflorestamento”. Segue o texto: “Essas reduções não podem se beneficiar de créditos negociáveis” [ou seja, dos benefícios oriundos da venda de créditos de carbono]. Entretanto, as Partes se beneficiarão do acesso a fundos.”

Brasil precisa assumir responsabilidade como grande emissor de gases-estufa, defendem especialistas

Renato Brandão

Agência Brasil – Apesar de não ter de cumprir metas de redução de emissão de gases agravantes do efeito estufa, o Brasil poderia assumir uma posição mais avançada e adotar metas próprias. Esta é a opinião de um dos ambientalistas da Organização Não-Governamental Greenpeace, Carlos Rittl. Ele defende a adoção dessas metas para países em desenvolvimento, como o Brasil, prevista na Proposta de São Paulo para a segunda etapa do Tratado de Quioto, que procurar controlar o aquecimento global.

“O que a gente espera é que da reunião em Nairobi, a gente tenha uma demonstração de empenho de todos os países do mundo. Dos desenvolvidos em ampliar consideravelmente sua contribuição; de países como o Brasil, que hoje é um grande emissor, é um país em desenvolvimento, em aumentar sua contribuição, assumir sua responsabilidade de uma forma mais ampla e dar uma contribuição maior”.

Para Rittl, o governo brasileiro precisa ampliar a política de combate ao desflorestamento e queimadas na Amazônia, que, segundo o Greenpeace, são as maiores causas de emissão de gases de efeito estufa no Brasil. “A gente tem que fazer com que essa diminuição na taxa de desmatamento seja sistemática e freqüente, para que a gente consiga eliminar este problema do país. E fazer também com que a gente assuma um compromisso de desenvolver nossa matriz energética de uma maneira limpa e equilibrada, usando energias renováveis modernas, como as energias do sol ou dos ventos, coisas que estão disponíveis em nosso país, e a gente aproveita muito pouco.”

Rittl afirma que o Brasil deve assumir a responsabilidade de ser grande emissor de gases-estufa no planeta. “Certamente, nossa contribuição histórica é diferente da dos países desenvolvidos, mas a responsabilidade diferenciada não significa falta de responsabilidade.”

O professor visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Luiz Gylvan Meira Filho, participante do Projeto Basic, concorda que há um descompasso entre o discurso oficial e a ação. “Fala-se muito sobre ações na Amazônia, do combate ilegal da extração ilegal de madeira, mas efetivamente não há um programa de governo que inclua uma meta para limitar da taxa de desflorestamento da Amazônia”, afirma.

“Veja aqui no Brasil. O Brasil sempre foi um defensor da Convenção-Quadro e do Protocolo de Quioto. Se você olhar na realidade, as políticas que vêm sendo implementadas na área de energia, no último leilão de energia foram aprovadas usinas térmicas à carvão – importado, porque o Brasil tem pouco carvão – enquanto que sob o ponto de vista de mudança de climas, é mais interessante construir usina hidrelétrica, não usina térmica, muito menos a carvão. Daí, você tem uma diferença entre o discurso e a ação. A maior causa da emissão de gases de efeito estufa no Brasil é o desflorestamento da Amazônia, mas efetivamente não há um programa de governo que inclua, por exemplo, uma meta para limitar da taxa de desflorestamento da Amazônia”, afirma Meira Filho.

in www.EcoDebate.com.br – 06/11/2006