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ESPECIAL, IBGE: 72 milhões não têm alimentação suficiente

Pesquisa inédita do IBGE revela que dois em cada cinco brasileiros têm restrições na alimentação

Adriana Brendler, Agência Brasil

ABr – Rio – Cerca de 14 milhões de pessoas convivem com a fome no país e mais de 72 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar – ou seja, dois em cada cinco brasileiros não têm garantia de acesso à alimentação em quantidade, qualidade e regularidade suficiente.

As informações divulgadas hoje (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fazem parte de uma pesquisa inédita no país sobre segurança alimentar. De acordo com o estudo, que utiliza os dados da Pesquisa Nacional Domiciliar (PNAD) de 2004, crianças, negros e moradores das regiões Norte e Nordeste do país são os grupos que mais sofrem com restrições na alimentação.

O levantamento indica, porém, que 109 milhões de pessoas, cerca de 60% dos brasileiros, vivem em domicílios considerados em condições de segurança alimentar. São residências onde há acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente e sem que para isso sejam comprometidas outras necessidades essenciais, como, por exemplo, saúde e educação.

O estudo também constatou que cerca de 18% da população vivem em condições de Insegurança Alimentar Leve, 14,1% em Insegurança Alimentar Moderada, e 7,7% deles se enquadram na categoria de Insegurança Alimentar Grave, que é caracterizada pela experiência de fome na família pelo menos uma vez em um período de 90 dias.

A gravidade do problema se expressa tanto pelo grande número de pessoas que convivem com a fome – cerca de 14 milhões de brasileiros – quanto pelo número ainda maior de pessoas, quase 40% da população, que não sabem se terão dinheiro para repor a comida

Criticar transferência de renda é negar o direito à alimentação, diz pesquisador

O pesquisador do Centro de Referência Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Renato Maluf, condenou aqueles que freqüentemente criticam a manutenção de programas de transferência de renda no Brasil, alegando que são apenas uma estratégia emergencial e de caráter assistencialista.

“Estes programas têm que ser analisados para ser aperfeiçoados, mas criticá-los é negar a existência do direito (à alimentação)”. Para Maluf, os programas fazem parte dos instrumentos e das garantias do direito humano.

Maluf afirmou que essas medidas permitem que as pessoas estejam protegidas contra situações que comprometem a sua segurança alimentar, como, por exemplo, o desemprego e outros episódios da vida que levam a uma condição de vulnerabilidade, como os acidentes naturais. “Várias razões podem levar a miséria que é a marca da nossa sociedade”.

Ele defendeu a manutenção dos programas sociais no país: “Os programas devem ser permanentes. Provisória tem que ser a dependência das pessoas a esses instrumentos de proteção”, enfatizou.

Maluf atribuiu a resistência aos programas a um comportamento autoritário, conservador e mesquinho da sociedade. “A elite brasileira não se conforma em destinar recursos aos pobres”. Para ele é daí que decorre a desigualdade que marca a sociedade.

IBGE mostra que maioria de beneficiários de transferência de renda vive em insegurança alimentar

A maioria das famílias que recebem benefícios de programas de transferência de renda do governo está em situação de insegurança alimentar, ou seja, não têm garantia de acesso a alimentos de qualidade, com regularidade e em quantidade suficiente.

A informação faz parte de um estudo inédito divulgada hoje (17) pelo Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE) sobre as condições de segurança alimentar no país. O levantamento, baseado nos dados da Pesquisa Nacional de Domicílios (PNAD) de 2004, apontou que 66% das residências em que havia pelo menos um beneficiário de programas sociais, como o Bolsa-Família, estavam em insegurança alimentar.

Em 14,9% dos domicílios, a insegurança foi considerada grave, ou seja, havia fome. A pesquisa também indicou que entre os domicílios em situação grave de insegurança, havia 2 milhões que não recebiam benefícios.

Segundo a coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Márcia Quintslr, no período de realização do levantamento, os programas de transferência de renda do governo estavam com o foco adequado, pois beneficiavam a população mais exposta à insegurança alimentar.

De acordo com a técnica, os números demonstraram que, naquele momento, havia demanda para ampliação dos programas que se propõem a atender às famílias mais carentes e combater a fome.

Técnica afirma que fome é a mais severa manifestação da insegurança alimentar

A coordenadora de Trabalho e Rendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Márcia Quintslr, explicou que o conceito de insegurança alimentar é bem mais amplo. Segundo ela, a fome é considerada a mais severa manifestação da insegurança alimentar.

No entanto, o fato de o indivíduo preocupar-se com a falta de dinheiro para adquirir alimento suficiente para os próximos dias, já caracteriza uma condição de insegurança alimentar, que se agrava passando por vários estágios.

De acordo com a técnica, a lógica da evolução do problema é a seguinte: primeiro há a preocupação de que a comida acabe, depois vem a perda da qualidade da alimentação e, por último, uma redução na quantidade, que chega ao extremo quando a privação leva à fome. Além disso, “uma situação de insegurança alimentar normalmente atinge primeiro os adultos, já que há uma tendência natural de que as crianças sejam poupadas” afirmou Márcia.

Até hoje, os números relacionados à fome no Brasil eram obtidos somente a partir de dados sobre o rendimento familiar e a definição de linhas de pobreza. Um estudo inédito divulgado hoje pelo IBGE permitiu avaliar diretamente a questão da alimentação com moradores de 140 mil domicílios em todo o país.

O estudo usa os dados da Pesquisa Nacional Domiciliar (PNAD) de 2004, foi feito a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e contou com a participação de pesquisadores da Unicamp responsáveis por desenvolver a Escala Brasileira de Medida de Percepção de Segurança Alimentar e Fome (Eiba).

A metodologia foi criada a partir de um modelo americano adaptado à realidade brasileira e testada em Campinas (SP) e Brasília. Levantamentos em escala nacional sobre a segurança alimentar, só foram realizados até agora nos Estados Unidos.

O foco domiciliar foi utilizado na pesquisa por que o consumo de alimentos é uma prática compartilhada na família. Se uma das pessoas sofre restrição alimentar, isso diz respeito a todos que convivem sob o mesmo teto. A técnica do IBGE, Márcia Quintslr, lembrou, por exemplo, situações em que mães se privam de alimentos para garantir que os filhos não passem fome.

Nordeste é a região onde insegurança alimentar é mais preocupante, revela IBGE

A região nordeste é a que apresenta o perfil mais preocupante no que diz respeito à insegurança alimentar no Brasil. Cerca de 60% da população nordestina não têm garantia de acesso à alimentação em quantidade, qualidade e regularidade suficientes, condições que caracterizam a segurança alimentar.

As informações fazem parte de uma pesquisa inédita no país realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para identificar e medir os problemas de insegurança alimentar no Brasil e a sua manifestação mais grave – a fome.

De acordo com o estudo, baseado nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2004, 14,4% dos nordestinos convivem com a fome. O número é o dobro da média do país, que ficou em 7,7%. Na região sul, que apresenta o menor índice de insegurança alimentar grave, o percentual de pessoas que conviveram com a fome no período considerado pela pesquisa foi de 3,7%.

Mais de metade dos cerca de 14 milhões de brasileiros enquadrados no levantamento na situação de insegurança alimentar grave estava no Nordeste, região que concentra apenas 28% da população brasileira.

A região norte teve resultados semelhantes aos do Nordeste. A insegurança alimentar em sua forma mais grave atingiu 13,2% da população. De acordo com a coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Márcia Quintslr, as duas regiões constituem um bloco isolado em relação ao resto do país, confirmando sua condição sócio-econômica desfavorável.

O estado que apresentou maior índice de insegurança alimentar grave foi o Maranhão, que teve 18% de seus domicílios incluídos nessa categoria.

Além de confirmar a grande desigualdade entre as regiões do Brasil o estudo do IBGE, realizado a pedido do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, também indicou que mais de a metade das crianças brasileiras com até cinco anos estão em situação de insegurança alimentar. No Nordeste, 17% das crianças nessa faixa etária convivem com a fome.

A associação de restrições na alimentação à cor ou raça dos indivíduos também ficou demonstrada. O índice de insegurança alimentar grave entre pessoas pardas e negras atinge 11,5% , enquanto que o percentual da população branca que sofre com a fome é de 4,1%.

A pesquisa do IBGE também concluiu que a proporção de pessoas vivendo em insegurança alimentar é maior na área rural (49,9%) do que no meio urbano (37,7%). O quadro é resultado dos elevados índices de insegurança alimentar registrados no Norte e no Nordeste. Mesmo morando no meio rural, onde teoricamente, seria mais fácil o acesso à produção dos alimentos, 3,4 milhões de pessoas convivem com a fome.

As maiores incidências da forma mais grave de insegurança alimentar foram registradas em domicílios com mais de sete moradores, que têm mulheres como chefes da família e onde vivem crianças e adolescentes com até 18 anos.

in EcoDebate, www.ecodebate.com.br, 18/05/2006