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Artigo

Sobre o Futuro (quê futuro?), por Clarissa Taguchi

(…) Previsões de cientistas antes chamados de ‘catastrofistas’ – termo utilizado para ridicularizar aqueles que tentavam demonstrar que a vida do planeta é frágil e que homem tem agido como suicida – são reconsideradas devido aos novos modelos científicos capazes de prognosticar o estado da Terra comparando-a com outras Eras. (…) A humanidade enfrenta neste começo de século seu maior desafio: querer permanecer viva e, assim, entender o poder sobre si mesma.

Por Clarissa Taguchi, dezembro de 2005
Editora da Ecologia da Revista Consciência.Net

A globalização, em uma de suas faces, surge como a emancipação de diversas sociedades, a democratização de conhecimentos, o diálogo entre nações e etc. Na prática acompanha o mesmo raciocínio humano para a sobrevivência, um raciocínio individualizado, ingênuo e que hoje coloca cada um de nós na parede de nossas próprias construções. O mundo é tornado pequeno, como se fossem necessários mais planetas para nos manter e a globalização apenas um efeito insensível, sem retorno, onde inúmeras identidades culturais são rapidamente anuladas junto a seus respectivos mercados em prol de uma reorganização econômica em escala planetária onde apenas algumas instituições conseguem resistir. É só concorrência, das brabas, não?

Em relação ao comércio, é o que a globalização tem demonstrado fazer: trocar o arroz e feijão por sanduíche, a tortilha por pizza, a água por refrigerante e empregos por trabalhos temporários estejam eles onde estiver. É uma questão de tempo, quem não corre na frente corre atrás. Se grãos brasileiros são plantados em detrimento de uma floresta, se indianos recebem menos para atender ao telefone, as regras são estas e não permitem a sobrevivência sem um alto grau de concorrência. Contrariamos as regras naturais de cooperação – na Natureza os indivíduos das espécies cooperam para sobreviver – e por bem ou por mal, de forma muito rápida, o mundo tornou-se uma panela de pressão que parece estar no limite de estourar. A receita do bolo solou e junto com a globalização a humanidade se depara com o seu maior dilema, continuar ou não neste planeta.

Fala sério!
A maior parte de nós cresce e morre sem perceber que a vida é um fenômeno tão raro no Universo que desconhecemos planetas capazes de prover as condições necessárias a ela. Temos água, solo, atmosfera, gravidade e luz em proporções minimamente propícias à existência de uma complexa estrutura chamada Planeta Terra e, dentro do que sabemos, a vida parece ser um maravilhoso acaso concedido apenas a este lugar, povoado de seres micro e macroscópicos que entre seus reinos, espécies e elementos realiza trocas químicas capazes de manter a vida. E é o desequilíbrio de tais reações químicas que está colocando em jogo a vida como a conhecemos.

Mesmo que a maioria de nós, em algum momento, não sinta ser obra de nenhum acaso, é extremamente delicado explicar a todos os seres humanos – somos 6,5 bilhões – o que fizemos e porque chegamos ao nosso limite. A grande maioria não tem acesso às descobertas científicas capazes de desmitificar conceitos culturais e colocar a atividade humana como responsável pelas atuais catástrofes que presenciamos nos últimos meses.

O Tsunami, o Katrina, o Rita e o recente terremoto no Paquistão não são obras da ira dos deuses, muito menos concretizações apocalípticas de algum castigo sobre-humano. São grandes catástrofes naturais que sempre ocorreram, sempre ceifaram vidas e que ultimamente tem ocorrido em maior intensidade e em prazos mais curtos de tempo devido à maneira com que alicerçamos nossa sociedade. Ignoramos a história da Terra, desrespeitamos os demais seres que co-habitam o planeta, desprezamos as simples leis que regem a vida e que não estão escritas em nenhum estatuto criado pelo homem e sim pelos bilhões de anos de sua existência.

A urgência em rever nossas ações é matéria de capa em muitos editoriais mundo afora. Previsões de cientistas antes chamados de ‘catastrofistas’ – termo utilizado para ridicularizar aqueles que tentavam demonstrar que a vida do planeta é frágil e que homem tem agido como suicida – são reconsideradas devido aos novos modelos científicos capazes de prognosticar o estado da Terra comparando-a om outras Eras.

A triste conclusão, para grande parte dos cientistas, é que a intervenção humana contribuiu sim para o aquecimento do globo terrestre. A Natureza parece não querer esperar até que as metas definidas nos protocolos de Montreal e Kioto surtam efeito, o que esperávamos para talvez acontecer em meados do século XXI tem dado indícios de estar se antecipando e a geração futura talvez nem sofra as conseqüências das gerações passadas, pois talvez ela nem venha a existir.

Xiii… Ferveu?
A água quando ferve, ferve de uma única vez e talvez seja isso que muitos de nós estamos começando a perceber. Ela pode soltar algumas bolhas, dar uma tremida aqui, outra ali, mas quando ferve é de uma única vez. A percepção de que isso possa estar acontecendo é angustiante e não é à toa que muitos de nós resolvemos viver a ‘vida louca’, ‘viver o dia de hoje’ e ‘esquecer o dia de amanhã’. Pensar no futuro como um indefinido vazio e que individualmente não transformamos nada já que não fomos nós que colocamos a panela no fogo é o ingrediente que faltava para a panela estourar, é uma ingenuidade extrema achar que não há nada a ser feito a não ser que alguém cobre, ou pague, por isso. Países, empresas, cidades e vilas são formadas de pessoas!

Apenas um mundo globalizado pode resolver uma questão global de tamanha magnitude. O que os países da América Latina, China e África fizerem em relação as suas florestas pode antecipar ainda mais o caos climático. O clima também não pode ser apenas responsabilidade de poucos, países mais desenvolvidos geram mais tecnologia e mecanismos para o uso de práticas ambientalmente sadias que deveriam ser implantadas em escala mundial, assim como as imposições de mercado o são. Não adianta esperar a pressão do mercado, vamos fazer o quê, esperar água, oxigênio, florestas e ozônio terem cotações na bolsa e apostar?

Parece mentira, mas isso já existe e pela maneira como chegamos aqui não parece ser com cotações na bolsa que iremos ultrapassar este ‘gargalo’ do desenvolvimento da espécie humana. O temor de que algo como a escassês de água potável, o aumento populacional, inundações, terremotos e furacões possam transformar a paisagem do planeta nos faz aceitar uma mudança de atitude que já não pode ser lenta. E lento é esperar a indústria reorganizar suas fábricas que estão à espera de uma reação de consumo que pode muito bem ser induzida por uma campanha de marketing.

Chamem os catastrofistas!
Quanto iria custar uma reorganização econômica, cultural e social onde o bem maior seria nossas próprias vidas? É preciso coragem para fazer essa pergunta, pois ela muda a lógica na qual construímos nossa sociedade. A crise ambiental chama a todos os povos por uma outra globalização, uma transformação sem precedentes que parece não conseguir dar conta apenas com metas, protocolos e mais taxas. O medo como campanha de marketing não dá ao planeta aquilo que ele mais necessita – a exemplo da campanha de desarmamento e o início da guerra contra o terror de Bush: um instinto de sobrevivência coletivo.

Ter esperança e crer naquilo que está por vir é o que nos diferencia de outras espécies. Nos fez capaz de costurar roupas e enfrentar o frio, engenhar estradas para chegar a algum lugar. Construímos o mundo em sociedade e o conhecimento que adquirimos não pode ter sido usado apenas para levar ao fim nossa própria espécie. A vida na Terra se reconstituirá como fez depois dos dinossauros e muitas outras vezes. Seremos apenas telespectadores assustados ou insensíveis?

Recentemente a World Press Photo celebrou 50 anos com um concurso, um dos vencedores foi Frank Fournier que em 1985 captou uma trágica imagem da menina Omayara Sanches horas antes de morrer (foto ao lado). Presa nos escombros após um deslizamento causado por uma erupção na Colômbia, Omayara não pôde ser resgatada por inúmeros fatores, o que na época gerou um grande debate sobre como a humanidade era capaz de acompanhar a angústia de Omayara e não conseguir salvá-la.

As drásticas mudanças climáticas que estão ocorrendo em saltos – pequenos e grandes – trazem transformações que não são interpretadas na mesma velocidade. Ainda que o ser humano seja capaz de interferir, o tempo não vai parar. A humanidade enfrenta neste começo de século seu maior desafio: querer permanecer viva. E assim entender, em meio a tantas outras necessidades, o poder sobre si mesma.

Clarissa Taguchi trabalha com alimentos agroecológicos na Cia. Ecológica do Brasil (www.ciaecobrasil.com.br) e é editora de ECOLOGIA da Revista Consciência.Net

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado em Consciência.net, dez/2005, in http://www.consciencia.net/2005/1210-clarissa-futuro.html