EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Desmatamento da Amazônia vira polêmica científica

(GTA) – Um diagnóstico alarmante surgiu na edição divulgada na semana de 20 de
outubro da revista científica Science, onde ecólogos alertam para os efeitos
colaterais da seca e para um desmatamento oculto de grande escala. Com relação
ao primeiro ponto, experimentos comprovariam que em um cenário de seca as
árvores têm sua capacidade de fotossíntese reduzida e minguam. Como as copas
estão menos densas e o chão, coberto de folhas secas, o sol alcança o solo,
transformando em bombas-relógio extensas áreas de mata antes consideradas
inatingíveis por incêndios.

Os autores, entre os quais Daniel Nepstad e Paulo Moutinho (ambos da organização
civil IPAM), dizem também em reportagem da revista Veja que a área danificada da
floresta é entre 60% e 123% maior do que se pensava, dependendo do ano
analisado. Esses dados são contestados ou vistos com cuidado por outras entidades
como o INPE, o Imazon e o Ministério do Meio Ambiente (veja manifestações
abaixo).

Esta seria a primeira vez que cientistas conseguiram medir com precisão um tipo de
estrago que sempre se fez na floresta, mas que, até então, jamais havia sido
quantificado em larga escala e com a exatidão dos satélites. O artigo avalia o
impacto da indústria madeireira sobre a mata – um tipo de dano que era invisível
aos sistemas que medem o tamanho do desmatamento. Os pesquisadores,
liderados pelo americano Gregory Asner, da universidade estadunidense de
Stanford, desenvolveram um programa de computador capaz de descobrir, em
cada uma das unidades que compõem a imagem de satélite, sinais da redução da
densidade da cobertura florestal, que ocorre quando a área sofre exploração
seletiva de madeira. Ou seja, avalia áreas em que não se corta tudo, mas apenas
as árvores de maior interesse comercial. Com o novo recurso, os cientistas afirmam
que passam a “enxergar” o que acontece por baixo da cobertura das árvores e,
com isso, a medir com exatidão as cicatrizes deixadas pela exploração seletiva de
madeira na Amazônia.

Essas conclusões, entretanto, não contam com o endosso de todas as instituições.
O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) e o Instituto Homem e Meio
Ambiente na Amazônia (Imazon) publicaram uma Nota Técnica sobre o artigo
afirmando que, em análise preliminar, existem “várias inconsistências que indicam
uma superestimativa das áreas sujeitas a corte seletivo”. Os pesquisadores
colocaram que: há projeções incompatíveis com a capacidade de processamento da
indústria local; algumas áreas apontadas como corte seletivo são afloramentos
rochosos; a estimativa de emissão de carbono oriunda do corte seletivo é uma
extrapolação; e não acreditam que a produção de madeira em tora por corte
seletivo tenha atingido 50 milhões de m3 no ano de 2000. Na nota, os
pesquisadores do Inpe e do Imazon afirmam a necessidade de revisão da
metodologia e dos resultados do artigo, para que as conclusões sejam válidas para
a definição de políticas públicas. Também declaram que já solicitaram o acesso aos
dados e imagens ao grupo de autores do estudo

Os cientistas do IPAM e de outras entidades, incluindo a Embrapa, analisaram cinco
estados – Acre, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima – responsáveis por cerca
de 90% do desmatamento da Amazônia. O resultado: enquanto os estudiosos do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) anunciaram que em 2000, nessas
regiões, o desmatamento foi de 16 112 quilômetros quadrados, a área modificada
pelos madeireiros foi de 19 823. “Esperamos que esses números dêem uma
sacudida no governo”, afirma José Natalino Silva, um dos autores do estudo e
pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém. Para ele, a amplitude do
impacto da indústria madeireira no interior da mata exige providências imediatas,
que garantam o funcionamento do setor e sua correta fiscalização.

Para a revista Veja, a polêmica é positiva. “Diante de um ecossistema tão frágil,
ninguém perde por superestimar a possibilidade de um desastre. É sempre menos
perigoso errar para mais quando se fala em destruição ambiental”.

A pesquisa publicada na Science (que na verdade foi liderada pela Universidade
Stanford, nos Estados Unidos) concluiu que de 1999 a 2002, somente em terras
indígenas e unidades de conservação localizadas na área de estudo, cerca de 1 350
quilômetros quadrados de floresta foram detonados pelos madeireiros. Um terço
dessa atividade foi identificado apenas nas reservas dos índios Kaiapó, na área do
eixo BR 163 no Pará. Além disso, os cientistas alertam para o fato de que as fatias
exploradas da floresta aumentam o risco de incêndios. Como cerca de 50% das
copas das árvores são destruídas, a luz do sol seca a camada de folhas secas e
galhos que forra o chão, tornando-o inflamável e deixando a floresta suscetível ao
fogo. Eles afirmam, ainda, que o volume de madeira tirado pode representar uma
adição de 100 milhões de toneladas de carbono – o equivalente a 50% das
emissões anuais provocadas pelo desmatamento da Amazônia.

O manejo sustentável é visto como um meio de minimizar esse impacto maior do
que o previsto até o momento. Um outro estudo, publicado na última edição da
revista especializada Remote Sensing of Environment (Sensoriamento Remoto do
Meio Ambiente, em inglês), o geólogo Carlos Souza Júnior, do Imazon, apresenta
outra poderosa ferramenta para detectar a destruição e monitorar a floresta.
Resultado de sua tese de doutorado, aprovada pela Universidade Santa Bárbara, na
Califórnia, Souza Júnior desenvolveu uma maneira original de ler as informações
captadas pelos satélites, tornando possível realçar nas fotografias todo tipo de dano
à floresta. Cicatrizes da exploração em pequena escala, vestígios de queimada e
qualquer tipo de desmatamento passam a ser visualizados nas imagens
processadas por Souza Júnior. “É uma nova forma de enxergar a floresta”, anuncia
o cientista, que testou o sistema sobre os registros da cidade de Sinop, em Mato
Grosso, e ali encontrou uma área de floresta alterada três vezes maior que a
considerada oficialmente como desmatada.

As imagens processadas pela equipe de Souza Júnior servirão, de acordo com a
revista, de base para um novo mapa do desmatamento da Amazônia. Com a
releitura de cada uma das fotos, deverá ser obtido o mais fiel e detalhado
diagnóstico do uso e preservação da Amazônia.

O Ministério do Meio Ambiente divulgou em comunicado que o estudo publicado na
Science “não traz qualquer elemento que permita concluir que o desmatamento na
Amazônia seja maior que os números levantados anualmente pelo INPE”. O
ministério esclarece que considera desmatamento a retirada de 100% da cobertura
florestal, de forma a impedir sua recuperação. O governo também divulgou que
pretende convidar os autores do estudo e os pesquisadores do Inpe e do Imazon
para uma reunião de trabalho.

Leia também:

www.amazonia.org.br
www.sciencemag.org
www.veja.com.br
www.sciencedirect.com/science

Link padrão
lba.cptec.inpe.br/lba/?p=11&lg=eng&op=227

(EcoDebate) Fonte – GTA – Grupo de Trabalho Amazônico