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Artigo

De drama em drama, no ramerrão de sempre , por Washington Novaes

Há poucos dias, no III Congresso Mundial de Educação Ambiental, em Turim, na
Itália, durante um painel sobre Mídia e Meio Ambiente, com representantes de
países de todos os continentes (inclusive o autor destas linhas), o secretário de
Meio Ambiente do Piemonte, irritado, se queixou de que nenhuma televisão,
nenhum jornal italiano divulgara uma só notícia sobre o congresso, embora
informados com freqüência. ‘Como se espera que a sociedade possa informar-se
sobre as questões cruciais que estão sendo discutidas aqui?’, perguntou ele. E
acrescentou que a mídia só dá atenção aos chamados problemas ambientais
quando se trata de catástrofes, crises, grandes emoções , capazes de atrair
leitores/espectadores e assegurar índices de leitura ou audiência.

Nos debates que se seguiram, outras vozes disseram que praticamente em todo o
mundo é assim. E, se estivessem no Brasil neste momento, veriam que o quadro
não é muito diferente, com poucas e honrosas exceções.

Poderiam começar examinando, por exemplo, a questão da transposição das águas
do São Francisco. É tema que, pela relevância, deveria estar sendo discutido pelo
País pelo menos desde 1993, quando foi ressuscitado pelo então ministro Aluízio
Alves – e, pouco tempo depois, fulminado por um parecer do Tribunal de Contas da
União. Ressuscitou de novo no governo seguinte e permaneceu em banho morno,
sem que houvesse informações capazes de levar a sociedade a se interessar por
ele, suas inconsistências, suas insuficiências. Foi preciso agora um drama – um
bispo em greve de fome – para pôr o tema em evidência na comunicação. De onde
já está desaparecendo, com a interrupção da greve – mas sem que nada haja
mudado substancialmente.

Enquanto isso, prossegue, desassombrado, o festival de desinformação. Assegura o
bispo que o projeto está suspenso, enquanto o ministro Jacques Wagner diz que
não se tratou disso no entendimento do governo com o prelado. Espantam-se os
defensores do projeto que se critique a destinação, para projetos de irrigação, da
maior parte das águas transpostas – dizem até que isso não faz parte do projeto -,
quando o próprio estudo de impacto ambiental por eles apresentado ao Ibama se
refere várias vezes a essa destinação. Será preciso outro drama para que se
discuta em termos claros, de modo a que a sociedade possa tomar posição?

Não é diferente o problema da suspensão de exportações de carne bovina brasileira
por causa de problemas sanitários. Muito menos a ameaça de expansão da
chamada gripe aviária pela Europa e América Latina (já há pelo menos um caso na
Colômbia). O tema está na pauta da Organização Mundial de Saúde há pelo menos
uma década. Em artigo publicado neste espaço em junho de 1998, por exemplo, o
autor destas linhas escreveu: ‘No momento em que – por causa de problemas
ambientais e sanitários – boa parte da produção de carnes de suínos e aves se
transfere da Europa para outros países, entre eles o Brasil, seria prudente que esse
tipo de preocupação permeasse nossas políticas econômicas e sanitárias. Para que
amanhã não haja colapsos ´inesperados´.’ Sete anos depois, por causa do
contingenciamento de verbas para a defesa sanitária, enfrentamos uma crise nas
exportações.

Mas poderia ser também o caso da seca na Amazônia. O tema das mudanças
climáticas está na pauta diplomática no mundo desde meados da década de 1980.
Em 1992, chegouse, na Rio-92, à convenção pela qual os países industrializados se
comprometeram a reduzir em 5,2% suas emissões de poluentes da atmosfera. Em
2002, na cúpula mundial de Johanesburgo, o presidente do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirmou que essas
mudanças já estavam em curso no Brasil: ‘Vocês terão secas mais intensas,
inundações mais graves, dificuldades progressivas no abastecimento de água,
principalmente das grandes cidades.’ Em dezembro do ano passado, em Buenos
Aires, o IPCC e a Organização Meteorológica Mundial reafirmaram esse quadro e
ressaltaram a necessidade de ‘adaptação’ urgente. Mas quase nada fizemos por
aqui.

A seca extemporânea do início do ano gerou perdas brutais para a agricultura.
Tivemos tufões e tornados, inundações graves. Agora, parecemos surpresos com o
fato de que o aquecimento das águas dos oceanos esteja provocando uma seca
sem precedentes na Amazônia, interrompa a navegação e até o abastecimento dos
habitantes da ‘pátria da água’.

Mas qual é a estratégia brasileira para mudanças climáticas? Continuamos fazendo
de conta que não importam as advertências do secretário-geral da ONU, Kofi
Annan, de que os maiores problemas que ameaçam a sobrevivência de espécie
humana são as mudanças climáticas e a insustentabilidade dos padrões mundiais
de produção e consumo, além da capacidade de reposição da biosfera terrestre.
Relegamos ao limbo advertências como as do cientista Carlos Nobre, do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais, de que o desmatamento na Amazônia poderá
produzir mudanças importantes no clima da região (e de outras) e até mesmo a
savanização de partes do bioma. Seguimos sem estratégia para a Amazônia,
devastando-a para criar bois e plantar soja destinados à exportação.

Não bastasse, vai passando pelo Congresso, debaixo de silêncio na comunicação,
projeto governamental para conceder a empresas privadas a gestão de dezenas de
milhares de quilômetros quadrados de florestas públicas amazônicas e outras – uma
iniciativa fortemente criticada (sem resposta convincente) por grande parte da
comunidade científica.

Daqui a pouco, passado o interesse pela seca, retornaremos ao ramerrão da
devastação amazônica.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

(EcoDebate) Artigo originalmente publicado em O Estado de São Paulo, 21/10/2005