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Artigo

Katrina e seca na Amazônia: lições sobre o aquecimento global? Por Milena del Rio do Valle, Daniel Nepstad e Paulo Moutinho

Os rios da Amazônia Ocidental (Amazonas, Acre e Rondônia) estão com os níveis mais baixos desde a década de sessenta. O El Niño, que resulta do aquecimento das águas do oceano pacífico na altura da costa do Peru, sempre foi apontado como o culpado por estes fenômenos severos. Agora, contudo, o culpado pode ser outro: o aquecimento do oceano atlântico. Estudos sugerem que a seca que assola esta parte da Amazônia é resultado do aquecimento do atlântico próximo à Costa da África e, provavelmente, próximo ao Golfo do México. Este aquecimento até então não registrado, pode ter alterado o padrão de circulação das correntes de ar resultando no deslocamento de massas de ar seco para a Amazônia.

O resultado: seca em regiões cobertas por florestas. Um outro reflexo dessa mudança de comportamento da circulação global pode ter sito o fornecimento de energia tornando particularmente feroz a estação de furacões que atingiram o Caribe e a Costa Leste dos Estados Unidos, como o que arrasou a cidade de Nova Orleans. Os efeitos imediatos da seca na Amazônia são óbvios: rios baixos, mortandade de peixes, problemas na produção agrícola entre outros. Este cenário, no entanto, poderá ficar pior com o tempo. A morte de grandes cardumes de peixes e populações de peixes-boi e botos aumentam o risco de contaminação da água dos rios, comprometendo o abastecimento de ribeirinhos e pequenos produtores. Estes problemas são graves e geram efeitos negativos e danosos para as populações locais. A seca na Amazônia, contudo, pode ter efeitos de grandes dimensões. A floresta, em si, geralmente é imune ao fogo, este geralmente oriundo de queimadas em áreas agrícolas. A copa das árvores atua mantendo o interior da floresta úmido o suficiente para evitar que o fogo se propague. Mas, esta imunidade tem seu limite.

Quando há uma grande seca o fogo florestal torna-se comum e pode ganhar proporções gigantescas. Por exemplo, a grande estiagem provocada pelo El Niño de 1998 reduziu consideravelmente as chuvas na Amazônia tornando as floresta inflamáveis. Naquele ano, 1,3 milhões de hectares de floresta em pé queimaram no estado de Roraima. Outros quatro milhões de ha foram atingidos pelo fogo no sul do estado do Pará e norte do Mato Grosso. A atual seca, portanto, ameaça provocar estragos na floresta que certamente serão sentidos por muitos anos. Parte deste estragos já foram analisados através do maior experimento de simulação dos efeitos de secas severas sobre florestas tropicais já realizado no mundo. Uma parceria entre o Woods Hole Research Center, com sede nos Estados Unidos; o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e a Embrapa Amazônia Oriental, estas duas ultimas com sede em Belém, simularam uma seca severa em um hectare de floresta, próximo ao município de Santarém, no Oeste do Pará.

Para mais detalhes visite os sites:

www.ipam.org.br/programas/mudancas/seca/
www.whrc.org/southamerica/drought_sim/index.htm).

O resultado mais surpreendente, observado pelos cientistas, é que as árvores maiores são mais vulneráveis aos efeitos da seca do que as menores, podendo morrer com mais facilidade. As secas severas como a que a Amazônia sofre atualmente podem danificam a floresta por décadas, destruindo árvores gigantes que, ao morrer, deixam de cobrir o assoalho da floresta, abrindo “buracos” entre as copas, reduzindo assim a unidade no seu interior.

Mais seca, a floresta passa a ficar vulnerável ao fogo. Assim, ciclo vicioso se instala a medida em que a seca favorece a ocorrência do fogo, que por sua vez produz grandes quantidades de fumaça o que atrapalha a formação das nuvens de chuva, terminando por e intensifica ainda mais a o período de estiagem. Estimamos que a quantidade de gás carbônico (um importante gás de efeito estufa) que pode vir a ser liberado a partir queima e morte das árvores, seja o equivalente à quantidade emitida deste gás pelas atividades humanas durante um período de seis meses. Os efeitos a longo prazo do Katrina, podem ser mais facilmente compreendidos do que a história da Amazônia e impressionar pelos valores monetários derivados da destruição.

Para avaliar apenas um dos efeitos diretos do furacão, deve-se lembrar que o Katrina atingiu em cheio a indústria do petróleo dos Estados Unidos e serve de alerta para o futuro da atividade naquela parte do país. Isso deve nos fazer perguntar: O Katrina significa o começo do fim da indústria do petróleo no Golfo do México? Se, de fato, a trajetória e a intensidade dos furacões continuar a aumentar, as plataformas de bombeamento de óleo passarão a sofrer danos freqüentes, o que aumentaria ainda mais a dependência dos Estados Unidos no mercado internacional de petróleo.

Ainda é cedo para decretar que a seca amazônica e os furacões provocados pelo aquecimento do oceano atlântico são resultado do aquecimento global. Contudo, servem de alerta para o que pode estar por vir, pois tal fenômeno condiz com as previsões futuras de alteração do clima.O mundo está se aquecendo e parece certo que mais surpresas como estas podem se repetir.

(EcoDebate) Fonte – IPAM – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia em 18/10/2005