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Editorial

Lições da Operação Curupira, por Henrique Cortez

Muitas questões expostas pela Operação Curupira ainda estão em aberto, e por isto, acho necessário que façamos algumas reflexões sobre as raízes deste lodaçal em que o IBAMA e a FEMA(MT) se atolaram.

Mesmo considerando os exageros e equívocos da Operação Curupira, com destaque para a arbitrária prisão do Diretor de Florestas do IBAMA, Antônio Hummel, não podemos deixar de reconhecer que a operação expôs uma preocupante situação de corrupção sistêmica no IBAMA do Mato Grosso.

Há muito tempo que são denunciadas as fraudes ambientais, principalmente no setor madeireiro. Aliás, é necessário destacar e reconhecer que há mais de uma década que os ambientalistas denunciam a emissão fraudulenta de ATPFs, como ficou amplamente demonstrado na Operação Curupira.

Reiteradas vezes afirmamos que se as denúncias de fraudes na emissão das ATPFs tivessem sido ouvidas pelos dirigentes do MMA e IBAMA, certamente estes criminosos já teriam sido detidos e boa parte da devastação teria sido evitada. Felizmente o MPF teve a iniciativa de articular a investigação, que começa a desarticular os crimes ambientas nos órgãos que deveriam zelar pelo meio ambiente.

São fraudes e crimes cometidos há mais de 10 anos e acirrados nos últimos 2 anos. A longevidade das fraudes é o argumento pelo qual achamos importante repassar algumas das nossas críticas e observações sobre a crise do IBAMA, da FEMA(MT) e de outros órgãos ambientais.

O IBAMA e a FEMA possuem uma longa história de atuação correta, profissional e comprometida com a causa ambiental. Foram, por muitos anos, exemplo e referência dentre os órgãos ambientais. Então, o que aconteceu?

Certamente, colhemos os resultados de muitos anos de abandono e sucateamento. A fragilização estrutural, a falta de funcionários capacitados e corretamente qualificados e a falta de suporte de adequadas políticas públicas dificultam a atuação dos funcionários honestos e profissionais, ao mesmo tempo em que abre portas aos oportunistas. Isto é um problema com mais de 10 anos e continua a se agravar.

É evidente que, ao longo de diversos governos federais e estaduais, os órgãos ambientais foram lenta e diligentemente relegados ao descaso. Enquanto isto, os fraudadores e agrobandidos souberam se aproveitar da fragilização estrutural. Este processo de sucateamento não aconteceu por acaso, ele foi resultado de uma ação consciente, tão diligentemente aplicada que até pode ser considerada como uma política pública.

Os inúmeros cargos de confiança e a partidarização, o aparelhismo, dos órgãos ambientais contribuíram para aumentar a fragilidade e ampliar o raio de ação dos fraudadores. Sempre que se fala de cargos de confiança, há que se perguntar – confiança de quem?

No entanto, a Operação Curupira também demonstrou que os funcionários concursados não são imunes à corrupção, simplesmente porque os concursos públicos não avaliam o caráter e os objetivos ocultos dos candidatos.

A exigência legal do preenchimento de cargos por concurso público é uma importante conquista, mas que também possui limitações e riscos.

Por um lado, existem inúmeros candidatos que prestam concurso para quaisquer cargos porque visam um emprego público, em qualquer lugar. Há, portanto, o risco de ser empossado em funções para as quais não tem talento ou vocação.

Na outra ponta, temos os oportunistas que fazem os concursos com o objetivo especifico de obter vantagens ilícitas. Por qual outro motivo alguém pagaria R$ 40 mil à máfia dos concursos para garantir a aprovação? Por vontade de servir a pátria é que não é.

No meio disto, a imensa maioria de servidores corretos, dedicados e honestos acaba esmagada pelos desonestos e incompetentes, principalmente pelos que têm apoio e suporte político e econômico.

É por isto que temos dificuldades em acreditar que tais fraudes teriam acontecido sem o conhecimento e a omissão dos dirigentes do IBAMA e do MMA. Como ninguém notou? Porque a auditoria e a corregedoria não identificaram as fraudes? Afinal, não estamos falando de meia dúzia de samambaias, mas de dezenas de milhares de hectares de floresta.

Dados recentemente divulgados pelo SIPAM confirmam o aumento da área desmatada no sul do Amazonas. Além disto, os dados indicam claramente que a agropecuária já ocupou todas as áreas desmatadas e que qualquer avanço será na floresta. Outros dados indicam que as rodovias estaduais e federais são os grandes vetores do desmatamento no sul do Amazonas. Ou seja, o mesmo de sempre. Só as autoridades ambientais ainda não perceberam que o mesmo processo ocorre há anos, sem maiores medidas estruturais que possam impedi-lo.

Mesmo após a Operação Curupira a utilização de ATPFs falsas ou irregulares se manteve e a fiscalização apreendeu mais de 60 carretas carregadas de madeira ilegal.

Às eventuais críticas à atuação do IBAMA sempre é respondido que nos últimos dois anos houve um significativo aumento no número e valor dos autos de infração. Pena que a maioria das multas não seja efetivamente cobrada.

Sempre questionamos porque o IBAMA não consegue arrecadar mais de 3% da multas que aplica. Além da falta de estrutura jurídica, a Operação Curupira também demonstrou que funcionários corruptos facilitavam a revisão dos valores das multas para valores 20 ou 30 vezes menores.

Na verdade, no caso do IBAMA-MT, em 2004, a efetividade na arrecadação das multas aplicadas não passou de 0,03%. Entre 2003 e 2004 a manipulação fraudulenta do sistema de arrecadação, em MT, permitiu “desaparecer” com mais de R$ 50 milhões em multas.

Com a certeza da “revisão” dos valores das multas, os agrobandidos tiveram certeza da impunidade e, ao mesmo tempo, tiveram um significativo incentivo ao desmatamento ilegal e irresponsável, principalmente diante do milionário valor da madeira.

Aliás, também é difícil crer que o atoleiro se limite ao IBAMA-MT e à FEMA, porque a fragilidade estrutural e institucional também se repete em outros estados. É evidente que outros estados e órgãos devem ser investigados, mas, se investigações existem, nada se sabe.

Toda crise também é uma oportunidade e, neste caso, não é diferente. Este é o momento para que se reverta o processo de sucateamento do IBAMA, restaurando sua eficiência e credibilidade.

O tempo todo ouvimos e lemos o empenho do MMA pelas “ações estruturantes” e, neste sentido, fazemos algumas perguntas que consideramos relevantes:
1) quais ações estruturantes já foram realizadas pelo MMA, qual o seu custo e quais os resultados alcançados?
2) quais ações estruturantes estão em andamento, quais os recursos orçamentários efetivamente disponíveis para sua execução e quais os objetivos definidos?
3) quais ações estruturantes estão em fase de planejamento, seus custos, cronogramas e objetivos?
4) e, por fim, quais programas do MMA estão paralisados ou com o cronograma atrasado em razão dos seguidos contingenciamentos de recursos orçamentários?
A devastação está sendo combatida pela PF e pelo MP, enquanto que o executivo patina. A sociedade civil está consciente da devastação criminosa e espera saber quais serão as políticas públicas que tentarão reverter este quadro de calamidade ambiental.

Mas, independente disto, os dirigentes do MMA e IBAMA, a ministra Marina Silva incluída, ainda devem urgentes e claras satisfações à nação.

Henrique Cortez, henriquecortez@ecodebate.com.br